O presidente Lula estava com tudo preparado para ganhar a visita à China, mas errou ao falar e ao não falar. Não quis dar entrevista à imprensa brasileira, hábito que até os ditadores militares seguiam quando em viagem ao exterior. No dia seguinte, pediu desculpas. Fez improvisos infelizes, que mostraram pouca sabedoria para lidar com as relações internacionais. Isso é espantoso, diante da experiência de Lula em seu terceiro mandato.
Não é necessário dar gritos de independência em relação aos Estados Unidos, só por estar em solo chinês. Nessa altura da nossa maturidade como potência regional, o Brasil deve estar bem com as principais potências mundiais. Isso é um clássico do Itamaraty.
A volta do Brasil ao cenário internacional é um alívio. Quem se lembra do que foi a relação do governo Bolsonaro com a China sabe que o avanço agora é extraordinário. Naquele mandato, a relação com o nosso principal parceiro esteve marcada por agressões infantis, delírios persecutórios, postagens ofensivas nas redes sociais.
Lula foi a Pequim para restabelecer o nível adequado das relações com a China. O fato de a viagem ter sido remarcada rapidamente teve forte significado diplomático. Mostrou que para ambos os países a visita era relevante.
A declaração do presidente contra o dólar não faz sentido algum. Ninguém precisa perder noite de sono se perguntando por que o dólar é a moeda mais usada no comércio internacional. Não existe qualquer obrigação de se transacionar com o dólar, mas tem sido a moeda de referência, porque tem mais liquidez e um emissor confiável.
É natural, também, a busca de mais diversidade monetária no comércio internacional. Aliás, isso já está acontecendo com muitos acordos feitos para transações nas moedas dos países que estão comprando e vendendo entre si, um deles firmado em março entre o Banco Central brasileiro e o BC chinês.
A visita à Huawei é compreensível, porque a empresa é fornecedora da telefonia brasileira há décadas. Mas eram desnecessárias a declaração de que estava ali para dar uma “demonstração de que não temos preconceito em nossas relações com os chineses” e a afirmação de que “ninguém vai proibir que o Brasil aprimore sua relação com a China”.
É meio patético ficar na China mandando recados desaforados para os Estados Unidos. Não é uma questão de escolha entre a China e os Estados Unidos. O desejável é ter boas relações com ambos.
Em outro momento infeliz, Lula atacou o FMI na posse da ex-presidente Dilma Roussef no comando do Banco do Brics, dizendo que a instituição “asfixia” os países. O FMI é um fundo do qual fazemos parte, não somos mais um país com dívida externa e o Fundo não é mais aquele. Ele mudou muito sua visão de mundo. Essa é uma crítica datada e envelhecida.
De novo, é o Brasil se colocando em patamar inferior ao que já alcançou. A propósito, o diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, Nigel Chalk, se disse “entusiasmado” com o arcabouço fiscal, porque é um plano, segundo ele, de equilíbrio fiscal mas “consciente das necessidades sociais do país”.
Claro que a declaração de Lula foi feita para agradar a Argentina, tanto que o presidente Alberto Fernández agradeceu. Só que a Argentina cavou com erros seriais o buraco no qual caiu. Não acumulou reservas durante o boom das commodities, como fez o Brasil. Podia tê-lo feito porque também é exportadora dessas mercadorias.
Em 2010, a então presidente Cristina Kirchner acabou com a independência do Banco Central e demitiu o presidente da instituição por decreto, porque queria que o BC financiasse gastos de custeio. Sem reservas e com dívidas, o país fez vários acordos com o FMI e nunca os cumpriu. Hoje, está com inflação de 100%. No Brasil, ela caiu abaixo de 5%. Semana passada, enquanto a moeda argentina descia a nível recorde, o real se valorizava.
O Brasil aderiu “firmemente” ao princípio de que Taiwan pertence à China. Era o que a China queria. Em contrapartida, o Brasil queria o apoio dos chineses à velha pretensão de ter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Recebeu apenas um apoio para que o Conselho seja mais representativo, tenha países em desenvolvimento e que o Brasil tenha um papel mais “proeminente” nas Nações Unidas. Ou seja, o Brasil entregou tudo, até a adesão a um desfecho que pode ser violento, e recebeu de volta um apoio bem mais fraco do que o pretendido.