O psicólogo Jordan Peterson e o diretor Dallas Jenkins têm muito em comum. Além de serem referências em suas respectivas áreas, são dois dos principais nomes a discutirem o cristianismo no mundo moderno. Enquanto Peterson divulga o seu novo livro, We Who Wrestle with God [Nós que lutamos com Deus, em tradução livre, ainda sem edição no Brasil], Jenkins se prepara para o lançamento da quinta temporada de The Chosen em 2025. Considerando o impacto de ambas as obras, era só uma questão de tempo até que o caminho de ambos se cruzasse. E foi justamente o que aconteceu no 509° episódio do podcast de Peterson, rendendo uma conversa sobre o papel do homem em um mundo que luta contra a perda de significado.
O bate-papo, de tons teológicos e filosóficos, se desenvolveu a partir do relato de Jenkins sobre suas experiências antes de criar o seriado. “The Chosen nasceu do fiasco”, explica ele, apontando que após o lançamento do filme A Ressurreição de Gavin Stone acreditava que não teria mais uma carreira. Esse medo surgiu pois o filme havia sido um prejuízo de bilheteria, fazendo com que o americano perdesse um contrato importante para a produção de filmes em Hollywood.
“Eu e minha esposa estávamos chorando, rezando e confusos, porque você sempre ouve que Deus não é autor do fracasso. Então, quando você falha em algo, acaba sentindo que o chamado que você teve não era um chamado de verdade.” O criador do seriado então exalta o momento em que sua esposa o alertou sobre uma história em João 6:1-14, quando Cristo alimenta cinco mil homens com cinco pães e dois peixes.
“Abrimos a Bíblia na história e pensei: o que dessa história serve para nós nesse momento? Lemos que Jesus esteve pregando por muitos dias, até que seus discípulos se aproximaram e o avisaram que estavam com fome. E o que nunca havíamos percebido da passagem é que Jesus nunca virou e disse “obrigado por avisar, não tinha percebido isso”. Ele sabia da fome, inclusive, tinha noção de que ela era sua culpa, afinal ele estava falando há dois ou três dias. Mas ele sabia que não poderia mandá-los para casa, pois estava consciente de que eles desmaiariam no deserto. Então entendemos: estar em um lugar de fome e desespero não significa que Deus não está presente”, conta apaixonadamente Jenkins.
Com uma ajudinha de Peterson, a conversa, que já era profunda aos 11 minutos, então avançou para um debate sobre sacrifício, ato defendido pelo psicólogo canadense como uma maneira nobre para alcançar “algo de maior valor”. Para ele, a falha de Jenkins com seu filme antes de The Chosen exemplifica muito bem a relação entre Deus e Caim, explorada no livro We Who Wrestle with God. Afinal, foi só com o fracasso nas bilheterias que Jenkins decidiu seguir o que sentia e fazer um seriado sobre a história de Jesus Cristo.
“Deus diz a Caim que, se ele oferecesse o seu melhor, ele seria aceito. Então, a mensagem Dele é a que Caim está fracassando somente por não dar o seu melhor. E o que seria o melhor? No seu caso, foi seguir a sua intuição quanto à escrita do roteiro [de The Chosen]. E também de se tornar mais humilde e não fazer todo o jogo de Hollywood. E depois disso tudo, finalmente perceber, que é bom no que faz e que as pessoas estão respondendo positivamente à isso. Que outros indicativos do que é “o melhor” você poderia ter?”, sintetiza Peterson.
Via de mão dupla
Visivelmente emocionado com o apontamento do psicólogo, Jenkins sentiu que a conversa valeu a pena. Tanto que, após a publicação dela no YouTube, fez um post no Instagram afirmando que aquele foi “um dos melhores dias de sua carreira”. Mas o bate-papo também indica ter trazido alguns esclarecimentos para Jordan Peterson.
Desde que se aproximou do cristianismo, efeito da conversão da sua esposa, Tammy Peterson, em março deste ano, o canadense foi cobrado por teólogos e fãs para que se posicionasse mais claramente a respeito de suas crenças. E foi com o bate-papo direto e honesto com Jenkins que ele foi capaz de esclarecer isso.
“Acho que eu nunca fui um ateu, porque nunca me senti confiante o suficiente em minha dúvida [sobre a existência de Deus] para proclamar isso como uma virtude. No mínimo, eu me sentia certo de que não sabia o que diabos estava acontecendo. Há outra coisa que mitigou essa possibilidade: eu acredito no mal desde muito jovem. E se você acredita no mal, você acredita no bem por ser o oposto do mal”, revelou Peterson após ser questionado sobre sua fé pelo próprio Jenkins.
Outro ponto que marca a aproximação de Peterson com o cristianismo é o fato de ser um fã de The Chosen. “Sempre desconfio de entretenimento com temática religiosa porque tem aquele elemento propagandístico de cooptação, mesmo que, hipoteticamente, seja por uma boa causa, me revolta”, diz ele. “The Chosen não faz isso. Eu gostei de assistir, em parte, pelo fato de ser bem-sucedida na base de sua habilidade de contar uma história.”
Independentemente de suas crenças religiosas, Jordan Peterson e Dallas Jenkins são bons exemplos, dentro da indústria cultural, de pessoas capazes de levarem os ensinamentos do cristianismo a pessoas que ainda podem e precisam se abrir mais à Deus.
Inclusive, o próprio cineasta resume bem esse papel de ambos durante o podcast: “Há uma parábola que Jesus conta nas escrituras sobre as redes. Ele diz que o trabalho do pescador é juntar os peixes, separar os bons dos podres e os jogar de volta. Acho que é isso que sou, um coletor. Eu coloco os peixes na rede e deixo Deus descobrir qual será o resultado disso. Não estou tentando converter as pessoas com a série, mesmo que isso seja algo comum.”
noticia por : Gazeta do Povo