Os famosos cantos das baleias-jubartes têm diversas semelhanças estruturais com a linguagem humana, e o mesmo vale, em menor escala, para outras espécies de cetáceos, indicam dois novos estudos.
Ainda não é o suficiente para afirmar que esses mamíferos marinhos “falam” como nós, mas as descobertas trazem paralelos importantes para entender como funciona o aprendizado que desemboca na linguagem propriamente dita da nossa espécie.
As pesquisas foram publicadas na última quinta-feira (6) nos periódicos Science e Science Advances.
A primeira, liderada por Inbal Arnon, da Universidade Hebraica de Jerusalém, analisou apenas as vocalizações produzidas pelas jubartes.
Já a segunda, feita por Mason Youngblood, da Universidade Stony Brook, em Nova York, levou em conta os sons de 16 espécies de baleias e golfinhos, das jubartes aos cachalotes, passando pelas orcas.
Em ambos os estudos, os pesquisadores tentaram detectar algumas das propriedades fundamentais da linguagem humana. Duas delas foram identificadas originalmente pelo linguista americano George Zipf (1902-1950) e têm a ver com a distribuição estatística e o tamanho das palavras nos idiomas da nossa espécie.
Em suma, o que acontece é que a frequência das palavras costuma seguir a chamada distribuição zipfiana. Isso significa que alguns poucos vocábulos são muito comuns, enquanto um número muito maior deles aparece de forma cada vez mais rara, seguindo o que os matemáticos chamam de lei de potência.
Em inglês, por exemplo, a palavra mais comum é “the” (artigo definido que corresponde aos nossos “o”, “a”, “os”, “as”). Nessa língua, “the” é duas vezes mais frequente que a segunda palavra mais usada, “of” (mais ou menos a nossa preposição “de”), três vezes mais comum que a terceira palavra do ranking, “and” (o nosso “e”), e assim por diante.
Também devemos ao linguista a chamada lei da brevidade de Zipf, que afirma que essas palavras muito comuns tendem a ser bem curtas, o que claramente bate com os exemplos acima e seus equivalentes em português.
Outra propriedade muito curiosa e comum dos idiomas humanos é a chamada lei de Menzerath. Ela designa o fato de que, numa sequência de unidades —como, digamos, as sílabas de uma palavra—, o tempo usado para pronunciar cada elemento de uma sequência tende a ficar mais curto conforme o conjunto fica mais longo.
Trocando em miúdos, isso significa que a sílaba solitária da palavra “não” levaria mais tempo para ser pronunciada do que cada uma das sílabas de uma palavra longa, como “indistintamente”. Parece esquisito, mas há dados empíricos mostrando que isso realmente acontece quando as pessoas estão falando.
Para verificar se os cantos e chamados dos cetáceos obedecem a esses princípios, ambos os estudos usaram modelos estatísticos para tentar “quebrá-los” em sua hierarquia de unidades. Era como se eles estivessem tentando identificar quais eram as “sílabas”, “palavras” e “frases” da vocalização de baleias e golfinhos.
Uma pista que os ajudou nessa tarefa foram os estudos sobre o aprendizado da linguagem em crianças pequenas. Para se tornarem fluentes em sua língua materna, elas usam uma série de indicações da fala, como mudanças de entonação, de altura e pausas, para saber onde uma palavra termina e outra começa, por exemplo. Não saber exatamente como isso funciona faz com que, no começo, as crianças cometam erros bonitinhos. É como achar que a expressão “tem que” (quando alguém diz “Fulano tem que fazer alguma coisa”) é uma palavra só, de modo que a criança flexiona tudo como se fosse um verbo, dizendo “Eu ‘temco’ fazer isso”.
Ao usar o conhecimento adquirido nesse tipo de estudo, Youngblood identificou a possível presença da lei de Menzerath em 11 espécies de baleias e golfinhos, bem como a lei da abreviação de Zipf em duas espécies.
Já Inbal Arnon e seus colegas, analisando detalhadamente apenas os cantos de jubartes, afirmam ter identificado a famigerada distribuição zipfiana nas unidades sonoras que compõem as canções, tal como acontece na linguagem humana.
Há algumas hipóteses que ajudariam a explicar as semelhanças. Para Youngblood, a presença da lei de Menzerath pode ser apenas uma questão física —reduzir o tempo de emissão das sequências longas de sons ajudaria a poupar fôlego, por exemplo.
Já para Arnon e companhia, a presença das leis de Zipf nos cantos das jubartes seria um facilitador do aprendizado cultural, assim como acontece no caso dos seres humanos. É algo que ajudaria a espécie a dominar a estrutura básica e o “vocabulário” mais comum dos cantos, adicionando, mais tarde, outras camadas de complexidade, até chegar à canção completa.
Em comentário para a Science, porém, o próprio Youngblood e o especialista em comportamento animal Andrew Whiten, da Universidade de St. Andrews (Reino Unido), destacam que a comparação com a linguagem humana vai só até certo ponto. O que falta é a semântica, ou seja, a atribuição de sentido aos elementos sonoros.
“Com base no que sabemos, as canções das jubartes e as dos pássaros exibem padrões que seguem essas leis e esses princípios sem carregar os significados típicos das línguas humanas. Levando isso em conta, talvez devêssemos comparar as canções das baleias à música humana” –no caso, música sem letra, é claro.
noticia por : UOL