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Cuiaba - MT / 14 de janeiro de 2025 - 22:42

Comer mais de 10 ovos por dia é saudável?


BBC News Brasil

A influenciadora fitness Gracyanne Barbosa, uma das participantes da 25ª edição do Big Brother Brasil, reality show transmitido pela TV Globo, comeu nove ovos cozidos apenas no primeiro dia do programa.

Gracyanne já declarou que, em sua rotina normal, come 40 ovos por dia. Ela disse, porém, saber que no reality seria obrigada a alterar sua dieta.

Em um vídeo postado em suas redes sociais antes da estreia da nova edição do Big Brother Brasil, a ex-dançarina brincou sobre a questão: “São 40 ovos que eu como por dia, vezes 7 dias na semana, vezes 15 semanas do BBB 25. Ah, então eu só preciso de 4.200 ovos para ser feliz no BBB 25.”

Mas afinal, faz bem para a saúde comer mais do que 10 ovos —ou até 40— por dia?

Segundo nutricionistas consultados pela BBC Brasil, o consumo excessivo e repetido de qualquer alimento é contraindicado.

“Nenhum alimento tem um consumo livre. Nem os vegetais, legumes ou frutas”, diz Antonio Herbert Lancha Jr., professor da Universidade de São Paulo (USP). Todos os alimentos devem respeitar uma quantidade alinhada com nossa necessidade diária.”

O ovo é bastante popular entre atletas e fisiculturistas porque, além de ser um alimento de baixo custo e fácil preparo, possui proteínas de alta qualidade, colaborando para a construção e a reparação muscular e, portanto, para a hipertrofia.

Mas segundo a nutricionista Desire Coelho, doutora em Ciências pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), muitos dos hábitos praticados por fisiculturistas e influenciadores fitness com rotinas extremas não são embasados pela ciência.

“Cada pessoa tem uma resposta metabólica diferente”, diz. “Essa participante em si não é o padrão fisiológico. O corpo dela pode tolerar bem o consumo excessivo de ovos, mas outras pessoas provavelmente não.”

Gracyanne já disse em entrevistas que a dieta de 40 ovos diários tem acompanhamento de profissionais de saúde.

Segundo Coelho, o consumo diário indicado do nutriente depende do nível de atividade física praticado, mas gira em torno de 0,8 até 2,4 gramas de proteína por quilo por dia.

Cada ovo de galinha possui cerca de 6 gramas de proteína. Ao consumir 40 unidades, Gracyanne Barbosa estaria ingerindo o equivalente a 240 gramas do nutriente todos os dias —um excesso considerando o seu peso.

“Existe um efeito fisiológico de ingerir uma quantidade tão elevada como essa, mas também um efeito social, já que pode gerar muitos gases”, diz Desire Coelho.

De acordo com Antonio Lancha Jr., pesquisas têm demonstrado que o consumo excessivo de ovos pode provocar uma alteração nas bactérias do intestino e levar à produção de uma substância chamada TMAO. Ela, por sua vez, está ligada ao estímulo da produção de colesterol.

O alto teor de colesterol está associado a um risco aumentado de doenças cardíacas. Ao mesmo tempo, a substância desempenha um papel fundamental para a execução de funções vitais no organismo.

A quantidade de lipídios ingerida com o ovo varia conforme a forma de preparação. O ovo cozido, por exemplo, é considerado muito mais saudável do que o ovo frito.

Gracyanne Barbosa relatou no passado comer 40 ovos diariamente —dez deles com gema e os restantes só com a clara—, divididos em oito ovos por refeição.

A gema é, de fato, a parte mais gordurosa do ovo. Uma gema de ovo contém cerca de 185 miligramas de colesterol, que é mais da metade da quantidade diária de 300 mg recomendada por órgãos americanos até recentemente.

Mas segundo Lancha Jr., comer apenas a clara também pode levar ao aumento da produção de timol e, consequentemente, à alteração da capacidade de síntese do colesterol.

Além disso, diz o nutricionista, o excesso de proteína na alimentação pode levar à produção de sulfeto de hidrogênio (H2S), ligado à proliferação de células tumorais no intestino.

“Ao divulgar o consumo excessivo de ovos na televisão, ela pode estar prestando um desserviço à população”, diz o professor da USP.

De acordo com os nutricionistas, o consumo de até três ovos por dia é considerado normal. Em alguns casos, essa quantidade pode ser elevada, chegando a algo entre cinco e sete ovos por dia, mas sempre com orientação médica e de forma alinhada à necessidade de cada metabolismo.

Pessoas que praticam grande quantidade de exercícios ou não consomem outras fontes de proteína além do ovo, por exemplo, podem ser instruídas a comer mais ovos.

Mas 40 é uma quantidade considerada extremamente excessiva e pouco saudável, dizem os especialistas.

Desire Coelho ressalta ainda que o consumo de proteína em excesso para hipertrofia ou outros objetivos estéticos extremos pode ser indicativo de transtornos alimentares.

“Pessoas com controle excessivo, que abrem mão de momentos sociais em relação à comida, ou quem mantém uma dieta que pode trazer prejuízos, já exibem traços do comer transtornado”, diz.

Para Lancha Jr., a monotonia alimentar —prática de comer sempre os mesmos alimentos— e o consumo em excesso de certos alimentos também pode gerar um efeito nocebo negativo.

“Um indivíduo que tem o hábito de consumir essa quantidade de ovo em um único dia pode se sentir fraco psicologicamente se diminuir a quantidade ou mudar a dieta”, afirma.

OVO: ‘VILÃO’ OU ‘MOCINHO’?

O debate sobre os benefícios e malefícios de comer ovos é constante entre médicos e nutricionistas.

Ao mesmo tempo que são acessíveis, fáceis de cozinhar e cheios de proteínas, possuem alto teor de colesterol.

Uma gema de ovo contém cerca de 185 miligramas de colesterol, que é mais da metade da quantidade diária de 300 mg de colesterol recomendada por órgãos americanos até recentemente.

Mas os cientistas não estabeleceram qualquer vínculo definitivo sobre o consumo de colesterol e o aumento no risco de doenças cardiovasculares.

Até por isso, as diretrizes alimentares dos EUA não indicam mais restrições ao colesterol, nem no Reino Unido.

Em vez disso, enfatiza-se a limitação da quantidade de gordura saturada que consumimos, o que, sim, pode aumentar o risco de desenvolver doenças cardiovasculares.

Alimentos que contêm gorduras trans, em particular, aumentam nossos níveis de LDL, sigla para “low density lipoprotein”, conhecido como “colesterol ruim”.

Embora algumas gorduras trans estejam naturalmente em produtos de origem animal, a maioria é produzida artificialmente e é encontrada em níveis mais altos em margarinas, salgadinhos, alimentos fritos e assados, como bolos e donuts.

Enquanto isso, junto com os camarões, os ovos são os únicos alimentos ricos em colesterol e com baixos níveis de gordura saturada.

“Enquanto o colesterol nos ovos é muito maior do que na carne e outros produtos de origem animal, a gordura saturada aumenta o colesterol no sangue. Isso vem sendo demonstrado por muitos estudos há anos”, disse à BBC Maria Luz Fernandez, professora de ciências nutricionais da Universidade de Connecticut cujas pesquisas mais recentes não encontraram relação entre comer uma quantidade padrão de ovos e um aumento no risco de doenças cardiovasculares.

A discussão sobre os efeitos dos ovos na saúde mudou em parte porque nossos corpos podem compensar o colesterol que consumimos.

“Existem sistemas em vigor [no corpo] para que, para a maioria das pessoas, o colesterol ingerido não seja um problema”, diz Elizabeth Johnson, professora associada em ciências nutricionais da Universidade Tufts, nos EUA.

Em uma revisão de 40 estudos publicada em 2015, Johnson e uma equipe de pesquisadores não encontraram nenhuma evidência conclusiva sobre a relação entre o colesterol vindo da dieta e doenças cardíacas.

“Os seres humanos têm uma boa regulação ao consumir colesterol da dieta e, nesse caso, produzem menos colesterol (em seus organismos)”, explica.

E quando se trata de ovos, o colesterol pode representar um risco ainda menor para a saúde. O colesterol é mais nocivo quando oxidado em nossas artérias, mas a oxidação não acontece com o colesterol dos ovos, diz Blesso.

“Quando o colesterol é oxidado, ele pode ser mais inflamatório. Mas nos ovos há todos os tipos de antioxidantes que evitam a oxidação”, explica.

Isso tudo, é claro, quando os ovos são consumidos na quantidade recomendada, sem excessos.

Publicações de 2019, no entanto, desafiaram o recente consenso de que os ovos não causam danos à nossa saúde.

Em uma delas, pesquisadores analisaram dados de 30 mil adultos acompanhados por uma média de 17 anos e descobriram que cada meio ovo adicional consumido por dia teve associação significativa com um risco maior de doenças cardíacas e morte.

“Descobrimos que, para cada adicional de 300 mg de colesterol consumidos por uma pessoa, independentemente da origem do alimento, os riscos aumentaram em 17% para doenças cardiovasculares e 18% para mortalidade por causas diversas”, diz Norrina Allen, uma das autoras do estudo e professora associada de medicina preventiva na Universidade Northwestern, nos EUA.

“Também descobrimos que cada meio ovo por dia leva a um aumento de 6% no risco de doenças cardíacas e de 8% no risco de mortalidade.”

Apesar de o estudo ser um dos maiores do gênero a abordar essa relação específica entre ovos e doenças cardíacas, ele tem caráter observacional, não dando indicação de causa e efeito.

Também se baseou em um único conjunto de dados autorrelatados —os participantes foram questionados sobre o que comeram no mês ou ano anterior e tiveram seus indicadores de saúde acompanhados por anos.

Isso significa que os pesquisadores obtiveram apenas um fragmento do que os participantes estavam comendo, já que as dietas podem mudar com o tempo.

E o estudo entra em conflito com estudos anteriores.

Vários deles já sugeriram que os ovos são bons para a saúde do coração. Um publicado em 2018 e baseado em dados de meio milhão de adultos na China demonstrou até o oposto: o consumo de ovos estava associado a um menor risco de doenças cardíacas.

Aqueles que comiam ovos todos os dias tinham um risco 18% menor de morte por doença cardíaca e 28% menor risco de morte por acidente vascular cerebral em comparação com aqueles que não comiam ovos.

Como o estudo anterior, este com dados de chineses também era observacional, o que significa que é impossível demonstrar causalidade: os adultos mais saudáveis da China simplesmente comem mais ovos ou o alimento os torna mais saudáveis?

Ou seja, o que vem primeiro, o ovo ou seus benefícios apontados nas pessoas?

Esse tipo de incógnita pode fomentar grande parte da confusão que permanece sobre os ovos serem heróis ou vilões.

Este texto foi originalmente publicado aqui.

noticia por : UOL

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