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Cuiaba - MT / 24 de fevereiro de 2025 - 16:05

Como continuar escrevendo depois de ouvir frei Gilson falar sobre o silêncio?

Caro leitor,

Estou aqui me perguntando como é que eu vou continuar escrevendo depois de ouvir frei Gilson falar sobre o silêncio de Deus e o silêncio necessário aos homens no podcast Inteligência LTDA.

Realmente não sei. Porque minha maior angústia hoje talvez seja esta: a de estar contribuindo para um mundo onde as pessoas se dopam de ruído a fim de fugirem do mundo interior, do silêncio que amplifica e nos obriga a nos confrontarmos com nossas imperfeições e medos.

Quando compartilho com os amigos essa angústia, eles me dizem que não, fica tranquilo, Paulo, você faz bem, faz o seu melhor, faz rir e tira o peso de um noticiário que além de ruidoso é raivoso. É bom ter amigos assim, que querem nosso bem. Além disso, minha vocação neste mundo parece ser mesmo a palavra. Aí complica.

E, de fato, se eu for parar para (em silêncio) pensar na intenção de cada um dos meus textos, serei obrigado a reconhecer que o que me incomoda não é a palavra em si — palavra que uso da melhor forma que consigo. O que me incomoda é a possibilidade muito real de estar cedendo à tentação de dar ao leitor o que ele mais quer, isto é, o ruído que afasta seu olhar e espírito para o que realmente importa.

Leitor ideal

Serei obrigado a reconhecer que escrevo para um leitor ideal. Um leitor disposto a, durante a leitura, ignorar o ruído que o cerca e se concentrar apenas em minha voz fanha que, acredite se quiser, está sempre fazendo um convite à reflexão. Um leitor que pensa antes de reagir; que não se contenta com lugares-comuns e obviedades, nem se deixa levar por bordões; que não é literal; que está disposto a parar no meio do texto para se perguntar se tenho razão ou se sou mesmo tão idiota quanto pareço; e que consegue rir de si e se sabe ridículo, ainda que digno.

Mais do que isso, imagino esse leitor ideal me lendo em situações ideais, que têm em comum o silêncio. Quanto a isso na verdade sou até meio velhote e incoerente. Logo eu, um antinostálgico, imagino o leitor à mesa do café da manhã ou na cama, antes de dormir, lendo essas palavras impressas, sem a interrupção do… Ops. Pode ir lá. Acho que chegou mensagem no Whats para você.

Que piiiiiiiiii!

Graças a Deus, muitos dos meus leitores são ou chegam perto desse leitor ideal como o imagino – exceto pela parte das situações ideais, que é realmente uma frescura minha. Mas muitos não são e aí é que mora o perigo. Como alcançar um leitor que está interessado no ruído? Ou que nem se dá conta de que o ruído existe para que deixemos de cultivar o silencioso jardim interior? Ou que nunca parou para pensar nessas coisas todas e está achando o assunto desta carta uma piiiiiiii?

De qualquer forma, e diante das palavras do frei Gilson, acho que veio em boa hora a oportunidade de me recolher um pouco. De ouvir mais do que falar. Sou mesmo um privilegiado e Deus cuida de mim.

Um abraço do
Paulo.

noticia por : Gazeta do Povo

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