Dos foliões fervendo no Carnaval às salas de estar de todo o país, é certo que o Brasil vibrou com a
vitória de “Ainda Estou Aqui” neste domingo, quando o longa de Walter Salles levou para casa o Oscar de melhor filme internacional e se tornou o primeiro título brasileiro a conquistar o cobiçado troféu.
O feito inédito representa uma nova cena para a premiação da Academia e a sua relação com o cinema brasileiro. Com um histórico de quatro indicações à disputa da categoria, o Brasil vê hoje circunstâncias muito diferentes daquelas que fizeram seus precursores deixarem a premiação de mãos abanando.
Apesar do intervalo entre “O Pagador de Promessas”, vencedor da Palma de Ouro e indicado ao Oscar em 1963, e “O Quatrilho”, de Fábio Barreto, indicado em 1996, esse quarteto, que se completa com “O Que É Isso, Companheiro?”, de Bruno Barreto, e “Central do Brasil”, também de Salles, enfrentou desafios parecidos. A produção brasileira sofreu mudanças mais significativas nessa passagem de mais de três décadas que a própria Academia, ainda restrita nas nacionalidades e visões representadas por seus votantes, entre os quais muitos ignoravam essa categoria.
Mas as empreitadas em 1990 já criavam sobre Barreto e Salles, agora oscarizado, a urgência de reforçar suas campanhas, além dos temas sociais tateados pelo cinema da era da retomada.
Para não dizer que nesse meio tempo o Oscar não sofreu suas transformações, virou algo comum que produtoras americanas afetassem a disputa estrangeira a partir da sua influência.
Foi o caso da Sony, que em 1998 barrou a vitória de Barreto com o holandês “Caráter” e da Miramax de Harvey Weinstein, que, no ano de “Central do Brasil”, garantiu a vitória do italiano “A Vida É Bela”. Hoje, a parceria entre “Ainda Estou Aqui” e a mesma Sony Pictures Classic espelha uma equipe que aprendeu com essas lições e trilhou um caminho de sucesso desde a sua estreia no Festival de Veneza, onde o filme conquistou o prêmio de melhor roteiro.
A campanha do longa se beneficiou do calendário internacional previsto para o auge da votação e de uma Fernanda Torres sempre assertiva, que soube unir a sobriedade dos looks com o carisma em traduzir traumas da ditadura para o imaginário americano.
Representante de outro tempo, a história de Eunice, mulher que luta pelo reconhecimento da morte de seu marido pelos militares, encontrou ressonância nos Estados Unidos de uma nova era de Donald Trump e sob a incomum covardia de sua classe artística, como a cerimônia reforçou.
Mas ao corpo de votantes mais diversos, às exibições com nomes como Guillermo Del Toro e à encenação clássica e dedicada a sensibilizar tudo e todos, sem qualquer dissonância, também se juntou outro aliado —as redes sociais.
Se a queda de magnatas como Weinstein se deve à vigilância digital que cunha movimentos como o MeToo, esse mesmo agente mostrou a força do engajamento brasileiro e derrubou concorrentes como o francês “Emilia Pérez”.
Tapete vermelho
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As mesmas plataformas que revelaram aos americanos o fôlego dos brasileiros em torcer pelos seus deram vazão às críticas que acusavam o longa de Jacques Audiard de ser ofensivo em sua forma de representar o México.
Indicado ao Oscar em 13 categorias, o musical da Netflix sobre um chefe do crime que passa por transição de gênero tentou misturar aquele projeto eurocêntrico anterior, comum a uma indústria que se sente ameaçada pela vitória do sul-coreano “Parasita”, a um roteiro ousado e inovador.
Mas a ressurgência de publicações ofensivas da protagonista Karla Sofía Gascón fortalecerem o drama familiar de Salles e Torres como uma via segura a uma Academia que busca renovação sem abandonar tradições. É o que autorizou um estrangeiro a fazer parte de uma noite de prêmios máximos a dois americanos, Sean Baker e Mikey Madison.
noticia por : UOL