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Cuiaba - MT / 13 de fevereiro de 2025 - 9:50

Educação recolonial?

No último dia 29, Donald Trump assinou um decreto encerrando o financiamento federal para escolas que ensinam teoria racial crítica e conteúdos sobre identidade racial e de gênero. A justificativa apresentada? Supostamente, crianças brancas estariam sendo ensinadas a sentir vergonha de si mesmas e de seus ancestrais.

Essa medida faz parte de um projeto político que visa recobrar uma visão unilateral e hegemônica da história — em que apenas um grupo é protagonista, ou seja, uma educação “recolonial” (em oposição ao movimento decolonial recente). Esse afastamento deliberado é o primeiro passo para o epistemicídio, que é a destruição de conhecimentos de grupos minoritários ou marginalizados, que invariavelmente leva à subalternidade e ao genocídio. E a história nos mostra que esse processo não é novo.

O colonialismo eliminou línguas, religiões e culturas africanas, impondo uma identidade sob violência. Hoje, a exclusão do ensino crítico sobre identidade segue a mesma lógica: quando uma história se impõe sobre as outras, ocorre a supressão — física, social ou simbólica.

No Brasil, o governo Jair Bolsonaro, por meio da ex-ministra Damares Alves, desmontou políticas de diversidade e censurou professores que abordavam racismo e desigualdade. Antes disso, em 2014, conservadores já tentavam excluir a palavra “gênero” de documentos fundamentais da educação, como a Base Nacional Comum Curricular e o Plano Nacional de Educação.

Essa investida é uma estratégia coordenada para manter o status quo e impedir qualquer possibilidade de transformação social. Até mesmo conquistas históricas, como a Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, são esvaziadas na prática. Enquanto isso, questões urgentes seguem fora das prioridades políticas e dos holofotes das big techs, a exemplo do genocídio da juventude negra — três vezes mais propensa a ser assassinada que jovens brancos.

A semelhança entre as políticas educacionais dos EUA e do Brasil não é coincidência. Ambas buscam preservar os privilégios de determinados grupos, eliminando narrativas que desafiam essa estrutura. No Brasil, o projeto Escola Sem Partido silencia educadores e impede o acesso a uma educação que valorize todas as histórias.

O paradoxo desse movimento é evidente: enquanto setores conservadores defendem a liberdade de expressão para disseminar discursos de exclusão, negam essa liberdade a quem luta por um ensino diverso. Não se trata apenas de retrocessos educacionais, mas também de um projeto político que visa a supressão simbólica e social das populações racializadas.

A luta por uma educação inclusiva sempre foi central para os movimentos sociais, especialmente para a população negra, que busca equidade. Assim, políticas como cotas e mudanças na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional impediram retrocessos maiores.

Se o modelo trumpista inspira conservadores no Brasil, é crucial que progressistas reafirmem as diferenças e desnaturalizem as desigualdades como contraponto à universalização. Afinal, ao se apagar a história de um país, perpetuam-se as desigualdades — formalizando e naturalizando o extermínio. O quanto ainda conseguimos nos chocar diante do apagamento das diferenças? Quem serão os próximos alvos?

*Com contribuições de Thais Marie Camargo Sena e Jenniffer Augusto da Silva Cornélio.


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noticia por : UOL

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