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Cuiaba - MT / 19 de janeiro de 2025 - 8:38

Em primeira missão à Antártida, cientista russo se sente como criança em loja de doces

Mesmo a longuíssima experiência no extremo gelado do planeta não impede o maravilhamento com a realidade —também extrema— trazida pela Antártida.

O russo Nikita Kusse-Tiuz, 37, um dos cientistas-chefe da expedição de circum-navegação da Antártida, compara o seu encontro —o primeiro— com o continente gelado com a animação de uma criança ao entrar em uma loja de doces.

Há anos acostumado a passar meses no Ártico, o oceanógrafo e pesquisador do Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica de São Petersburgo, menciona o encontro constante com vida animal, como pinguins, baleias e aves antárticos, como uma das diferenças centrais —e visíveis— entre os extremos gelados da Terra.

O mais aguardado, porém, era o encontro com um desajeitado ser vivo: a foca-de-weddell, uma “grande almofada gorda se comportando de maneira estranha”.

Kusse-Tiuz conta, no Diário da Antártida desta semana, como vê de perto a crise climática e como uma autoclassificada “pessoa do Ártico” tem aprendido, durante a expedição, sobre os processos e realidades antárticos, ao mesmo tempo em que lidera a equipe russa no navio.

Das expedições no Ártico, eu me lembro sobretudo das sensações constantes. Como quando estava em uma das mais longas, que durou oito meses, no inverno, em um acampamento. Havia uma camada de gelo na qual estávamos vivendo, a noite polar e centenas de quilômetros sem ninguém, só o nosso grupo. Havia a sensação de que, se algo acontecesse, ninguém poderia te alcançar e de como você é tão vulnerável.

Mas, ainda assim, está ali e se sente bem porque tudo está indo bem. Essa sensação me faz sentir confortável e é isso que às vezes gosto na expedição.

Sou uma pessoa do Ártico. Minha primeira expedição foi em 2008. Desde então, foram 20, com cerca de três, quatro meses por ano, em média. O tempo total chega a quase cinco anos. Aqui na Antártida, estou pela primeira vez. E foi quase como se estivesse nas minhas primeiras expedições ao Ártico, quando era “uau, estou abrindo um novo mundo”.

Eu estava me sentindo [ao chegar à Antártida] como uma criança em uma loja de doces, sabe? Queria ver novos animais, nova vida selvagem e esses icebergs, sobre os quais todo mundo fala. E como oceanógrafo novamente, eu estava ansioso para saber como a oceanografia difere da do Ártico.

Ainda estou me familiarizando com a oceanografia da Antártida. Aqui temos também a Alina, que é uma verdadeira oceanógrafa da Antártida e é responsável pela parte científica das expedições de oceanografia.

Por um lado, há uma grande diferença [em relação ao Ártico], e, por outro, muitos processos semelhantes. Em primeiro lugar, a Antártida é muito maior que o Ártico. No Ártico, temos um oceano interior e os mares o cercam. Na Antártida, o oposto, e isso faz uma grande diferença.

Além disso, as profundidades são diferentes. Os mares do Ártico são muito mais rasos do que aqui, e os processos são diferentes por isso. O oceano profundo do Ártico é mais como um pântano —nada realmente acontece lá. E muitos processos na Antártida ocorrem logo acima do fundo.

A temperatura e a salinidade diferem muito comparando com as do Ártico. Não vou entrar muito nos detalhes, mas isso é o que meus olhos captam quando vejo o perfil de temperatura em cada estação [de monitoramento]. Acho que só aqueles que trabalham no Ártico e na Antártida podem ver essas diferenças porque são décimos e centésimos de graus.

Mas, mesmo como uma pessoa comum, não como oceanógrafo, posso ver uma grande diferença. Primeiro a escala. A Antártida é maior, é um continente. No Ártico temos as costas de outros continentes e algumas ilhas. Temos gelo marinho e gelo terrestre em ambos os hemisférios. Mas a Antártida tem muito mais gelo terrestre. Quero dizer, as plataformas de gelo, as cúpulas de gelo, os icebergs, que são muito maiores. No Ártico, em alguns lugares você pode ver grandes icebergs e em outros não encontra nenhum. Mas na Antártida eles estão quase em toda parte e são enormes.

A outra grande diferença é a vida selvagem no Ártico, onde você pode ver muitos pássaros, como gaivotas, mais perto das ilhas onde nidificam e perto da costa. No mar aberto não é muito comum. No Ártico superior, raramente você pode vê-las. Também há algumas focas em ilhas e, às vezes, no gelo e em águas abertas. E ursos polares, com certeza, mais perto da terra e nas ilhas. No Ártico superior, apenas no gelo. Mas, principalmente, você vê apenas gelo.

Na Antártida é diferente. Primeiro, os pinguins. Eles estão quase em toda parte. Quase não há dias sem pinguins. Focas você pode encontrar com bastante frequência. E também baleias, orcas. E os pássaros aqui na Antártida são muito maiores, como os albatrozes. São enormes comparados às gaivotas vistas no Ártico. Tudo é maior, em quantidade e em tamanho.

Na expedição medimos coisas básicas, como temperatura, salinidade e também a densidade da água do mar. Além disso, medimos a direção e a velocidade das correntes. Temos o chamado CTD, que significa condutividade, temperatura, profundidade. São três sensores dos quais você pode obter os dados e, a partir deles, derivar a salinidade e a densidade. Para as correntes, temos o perfilador acústico de correntes Doppler embutido no navio, que mede as correntes o tempo todo.

A parte mais interessante da física oceânica geral da Antártida é a formação de massas de água, que depende totalmente dos mares da Antártida e das polínias [áreas de água rodeadas por gelo marinho], as águas abertas próximas à costa que interagem com a atmosfera, influenciando a formação e o derretimento do gelo e esses tipos de processos.

E também o derretimento do gelo, tanto o gelo marinho quanto o terrestre, torna a água mais ou menos salina. Essa água começa a se afastar da costa e certos processos ocorrem. A chamada água de fundo antártica se forma nessas áreas, desce a encosta e se espalha pelos outros oceanos e, por isso, influencia outras massas de água em outros oceanos.

Como toda a comunidade científica do clima já sabe, temos o aumento da temperatura em todo o globo, e essas mudanças são muito mais significativas tanto no Ártico e na Antártida. Indo ao Ártico e fazendo medições o tempo todo, podemos ver essas mudanças. O gelo marinho está ficando mais fino. Na Antártida ainda podemos ver gelo de vários anos; no Ártico mal se encontra um.

Além disso, alguns processos locais, como a formação de massas de água superficial, como as águas de inverno e verão, formam-se na superfície durante essas estações. E isso tem um efeito na bioprodutividade da água, no crescimento do fitoplâncton e do zooplâncton e, assim, na cadeia alimentar. Portanto, todos os animais que vivem na Antártida.

Eu pessoalmente gosto de focas e estava tentando ver a foca-de-weddell. E esse foi o momento que provavelmente nunca esquecerei, o momento em que a vi pela primeira vez. Elas parecem muito fofas e se comportam de maneira não muito ágil. São incapazes de te machucar. E, quando não estão no mar, apenas deitadas no gelo, são como uma grande almofada gorda se comportando de maneira estranha. Bem, quase todas as focas são assim, mas essa faz isso de maneira perfeita.

Espero que qualquer pessoa que leia isto sinta algo sobre o Ártico e a Antártida, algo que os chame a tentar se envolver nisso.

noticia por : UOL

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