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Cuiaba - MT / 14 de março de 2025 - 11:12

Experiente e criativa, Osesp celebra a fruição da música acústica ao vivo

No dia em que foi noticiada a morte da compositora russa Sofia Gubaidúlina (1931-2025) —um dos principais nomes da composição musical dos últimos cinquenta anos— a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) inaugurou sua temporada de assinaturas do ano. A artista havia estado em São Paulo em 2009 como convidada da orquestra, que apresentou um concerto memorável com suas obras.

Com os músicos já posicionados no palco para as grandiosas “Quatro últimas canções” de Richard Strauss (1864-1949), o que se ouviu antes de tudo foi o “Crucifixus”, breve peça para coro “a cappella” do compositor Antonio Lotti (1667-1740), que viveu na Veneza de Vivaldi.

O Coro da Osesp, porém, não estava no palco: com as placas acústicas do teto da parte posterior da Sala São Paulo elevadas, as vozes invisíveis eram ouvidas vindas de cima, entrando pelas laterais, e daí tomando a sala. No palco, ligando céu e chão, o maestro Thierry Fischer se conectava com os cantores através de uma câmera.

Essa união entre tecnologia e conhecimento pleno de todas as possibilidades acústicas da Sala São Paulo é uma das marcas da Osesp madura.

Sem interrupção —e enquanto o teto do fundo da sala era sutilmente movido de volta para baixo— a orquestra atacou a obra derradeira de Strauss, tendo como solista convidada a soprano sul-africana Masabane Cecilia Rangwanasha.

Para quem conhece suas gravações mais recentes, ouvi-la ao vivo é uma experiência imensamente superior. Nenhum exagero nos vibratos, voz com muito corpo e calor, belíssima sustentação nos graves, e o tônus expressivo necessário para reviver os poemas de Hesse e Eichendorff musicados pelo compositor alemão em seu último ano de vida.

Na escalação da Osesp, uma surpresa: a presença do violinista e maestro Cláudio Cruz, que volta a atuar, agora como “spalla convidado”, dividindo a estante com o oficial Emmanuele Baldini. Foi emocionante ouvir o solo de Cruz em “Ao adormecer”, antecipando a melodia cantada em seguida pela soprano: “e minha alma, sem amarras, deseja flutuar com as asas livres para, na esfera mágica da noite, viver uma vida profunda e múltipla”.

Após o intervalo veio a “Sinfonia nº5”, de Gustav Mahler (1860-1911), obra composta nos primeiros anos do século 20. A Osesp e seu público acostumaram-se a Mahler na última década, e frequentemente suas sinfonias têm sido escolhidas para os concertos de abertura e/ou encerramento das temporadas.

Mais do que isso, os anos 2010 viram ao menos dois ciclos completos com as nove sinfonias do compositor checo-austríaco, uma delas a cargo de Marin Alsop, que antecedeu Fischer na direção da orquestra, e outra dividida entre diferentes regentes convidados.

Fischer também está fazendo um ciclo completo, mas, pela primeira vez, a Osesp está gravando a integral mahleriana (também a Filarmônica de Minas Gerais está registrando um ciclo com essas obras). Já foram gravadas por Fischer e Osesp as três primeiras sinfonias, e durante esta temporada será a vez da “Quinta” e da “Sexta”.

Há quem não reconheça em Fischer uma “índole mahleriana” típica, mas seu trabalho nesse repertório merece total consideração. Ele jamais busca o efeito fácil: mantém a elegância em meio a caos e recusa toda violência desmedida. Nunca perde o domínio fraseológico —por mais complexo que sejam as interações entre os naipes—, e a equalização sonora é sua obsessão.

Obsessão é também característica do próprio Mahler, que parece escrever e reescrever sua obra na nossa frente, em tempo real, recomeçando sempre e de novo, na busca pela mágica da beleza.

Os metais da Osesp estão em um momento em que a boa forma se alia à experiência: nesta quinta-feira (13) os solos de trompete e trompa foram magníficos. E as cordas são capazes de dezenas de planos de pianos e pianíssimos, como mostraram no famoso “Adagieto”, o quarto e mais famoso movimento da obra, utilizado com gosto pelo cinema —do mais recente “Tár” (2022) ao clássico “Morte em Veneza” (1971).

A sinfonia que começa fúnebre termina para cima e, no fim, na Sala São Paulo lotada, há de se festejar a insubstituível fruição da música acústica ao vivo.

noticia por : UOL

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