QUERIA MAIS
Mas Fux queria mais. E, de novo, lá ia o barquinho no mar da incerteza. Desandou a falar sobre a “humildade judicial”
“Mas Justiça não é algo que se aprende, é algo que se sente. Os antigos já diziam que a Justiça era aquele sentimento do juiz. A carta de “Sete Partidas” dizia: ‘Os juízes devem ser homens sensíveis; saber direito se possível’ Então essa é uma realidade da nossa profissão. De sorte que eu, num exercício assim de humildade judicial — e aqui o ministro Alexandre de Moraes citou um caso que eu pedi vista recentemente, o caso do batom (…) Eu vou fazer uma revisão dessa dosimetria. Se ela é inaugurada pelo legislador, a fixação da pena é do magistrado. E o magistrado o faz à luz da sua sensibilidade, do seu sentimento em relação a cada caso concreto. E o ministro Alexandre, por seu trabalho, ele explicitou a conduta de cada uma das pessoas, e eu confesso que, em determinadas ocasiões, eu me deparo com uma pena exacerbada. E foi por essa razão, ministro Alexandre, dando uma satisfação à vossa excelência, que eu pedi vista desse caso, que eu quero analisar o contexto em que essa senhora se encontrava. Eu quero analisar. Eu sei que vossa excelência tem a sua opinião, já exteriorizou, nós julgamos sob violenta emoção após a verificação da tragédia do 8 de janeiro. Eu fui ao meu ex-gabinete, que a ministro Rosa era minha vice-presidente, e vi mesa queimada, papéis queimados. Mas eu acho que os juízes. na sua vida, têm sempre se refletir os erros e os acertos. Até porque o ministro Dino, de uma forma mais lúdica, destacou: os erros autenticam a nossa humanidade. Debaixo da toga, bate o coração de um homem.”
É evidente que Fux está, vamos dizer, conectando o seu discurso com certo alarido que, inclusive, conta uma versão mentirosa sobre as penas. Moraes já desmoralizou essa conversa. De todo modo, o ministro tem o direito de achar o que quiser. Dispõe, como ele diz, do poder de dar o seu voto, inclusive para absolver.
A propósito: é uma aberração que ele trate o ataque à estátua da Justiça, que simboliza o tribunal de que faz parte, como “o caso do batom”. Mas, insista-se, o doutor terá a chance de votar, se quiser, pela absolvição dos réus. Não absolvendo, fará a dosimetria. Outra pergunta óbvia de resposta idem: esse era um assunto para ser debatido na sessão de ontem? Ele, sem dúvida, tinha um coração que batia debaixo da toga no tempo dos descalabros da Lava Jato. Infelizmente, pulsava pelos desmandos de Sergio Moro e de Deltan Dallagnol.
A ÚNICA COISA QUE IMPORTAVA
Mais adiante, afirmou:
“Todas essas digressões que eu fiz agora, eu vou me reservar para analisar melhor no curso da instrução. Se eu quero me reservar o poder de avaliar, eu necessito efetivamente receber a denúncia para que eu possa, aí sim, me aprofundar em todas essas questões que eu aqui citei como observações, porquanto, em relação à autoria materialidade, o relator e o Ministério Público legaram à turma, à saciedade, tudo quanto nós precisávamos saber para o recebimento da denúncia. Então eu quero acompanhar o eminente relator, nos termos do seu voto, e, ao mesmo tempo, dizer que nós devemos ainda manter a grande e extraordinária esperanças de que o nosso país continuará a viver um estado democrático de direito, onde se garantem justiça, segurança, verdade e liberdade. E, com esses fundamentos, senhor presidente, eu queria acompanhar integralmente o relator, parabenizando-o por essa — eu sei que esse momento não é de parabéns –, mas, assim, uma deferência ao seu trabalho, que conseguiu fazer, digamos assim, abreviar a nossa tarefa. Muitos imaginavam: “Todos vão pedir vista; a denúncia é muito grande”. O ministro Alexandre, vamos dizer assim, numa linguagem coloquial, não deixou pedras sobre pedra e aqui me trouxe a paz necessária, como juiz, para receber a denúncia e acompanha-lo. É como voto.”
VAMOS VER
A única coisa que estava em causa era o trecho final que transcrevo, que são as exigências contidas no Artigo 41do Código de Processo Penal para avaliar o recebimento da denúncia. O resto, como ele mesmo disse, é “digressão”. No dicionário: “ato ou efeito de se afastar, de ir para longe do lugar onde se estava; divagação; afastamento, desvio momentâneo do assunto sobre o qual se fala ou escreve; artifício criado para ocultar o motivo real de uma ação; evasiva, pretexto, subterfúgio”.
Não estava em debate se “tentativa de um crime é crime”; não estava em debate a dosimetria da pena para o caso do batom; não estava em debate se um juiz julga com a razão ou com a emoção. Até porque acho fofo que Fux cite uma legislação de Castela do Século 13 (“Sete Partidas”), desde que se tomem os devidos cuidados: o linchador também tem sentimentos. E não sabe direito.
noticia por : UOL