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Cuiaba - MT / 3 de fevereiro de 2025 - 1:09

Ser “trad” é a nova “trend”? Celebridades ‘conservadoras’ ganham os holofotes

O que a estrela do hit “Hollaback Girl”, figurinha carimbada na programação da MTV no início dos anos 2000 (e com uma estética, digamos, nada comedida) tem em comum com o ator protagonista de “Transformers” (2006) e “Paranoia” (2007), com um vasto histórico de abuso de substâncias e uma acusação de abuso psicológico e sexual? 

Resposta: Gwen Stefani e Shia LaBeouf são católicos que, nos últimos meses, passaram a figurar em listas de “celebridades conservadoras”, ou “celebridades com valores tradicionais” que pipocaram na mídia americana, ainda estarrecida com a derrota do wokismo nas urnas e, especula-se, na cultura. Também nesse âmbito, afinal, o presidente Donald Trump busca marcar seu espaço, com a nomeação de Jon Voight, Mel Gibson e Sylvester Stallone como “embaixadores de Hollywood”, enquanto jornalistas, escritores e analistas se debatem para compreender mais uma “onda conservadora”. 

Os casos de LaBeouf e Stefani são, em si mesmos, retratos de uma certa dificuldade geral em compreender fenômenos que envolvem tendências culturais, contextos políticos e decisões pessoais que, com frequência, escapam às tentativas de análise. LaBeouf, que chegou a ser preso enquanto participava de um protesto contra Trump, converteu-se ao catolicismo durante as filmagens de “Padre Pio” (2022), obra na qual deu vida ao frade franciscano feito santo pela Igreja Católica, batizou-se e crismou-se na presença do bispo Robert Barron (a quem deu, em primeira mão, o relato de sua conversão) e declara-se um admirador do rito tridentino da Missa. Desde então, contudo, nunca mais fez declarações de cunho político. Ainda assim, “mereceu” ser listado em uma matéria recente da Vanity Fair que tenta descrever o que há “por trás do complexo industrial de conversões de celebridades à direita católica”. 

Stefani, por sua vez, apareceu em um empolgado artigo do The Daily Signal de dezembro do ano passado sobre “celebridades que abraçam valores tradicionais”. “Duas celebridades de renome fizeram algo radical no último fim de semana: abraçaram valores tradicionais. Seriam esses sinais de que a maré está mudando na guerra cultural?”, aventa a autora, que cita a parceria de Stefani com o aplicativo católico Hallow durante o último Advento e o casamento da cantora Lana del Rey com o guia turístico Jeremy Dufrene, entusiasta de Trump e de toda a campanha “MAGA”. Stefani, contudo, nunca escondeu sua fé, que só se tornou assunto graças à parceria com o Hallow, e insiste em ficar longe de assuntos políticos, ainda que não esconda alguma predileção pelos democratas. Del Rey, por sua vez, já disse estar “no meio” no que diz respeito à polarização entre republicanos e democratas,  

É o caso de questionar o que, afinal, há de tão “tradicional” nessas posturas, ou se a hegemonia progressista no meio cultural faz com que nuances, informações antigas ou mesmo declarações simples sejam tomadas por revolucionárias – o que não deixa de se configurar uma tendência. “O psicólogo Carl G. Jung se utilizou do conceito ‘enantiodromia’ para explicar um movimento de compensação psíquica. Basicamente, afirma que ‘todo direcionamento ao extremo de uma polarização possui a tendência de se reverter a seu polo oposto’, exatamente como o movimento de pêndulo”, explica a analista de tendências Bárbara Bombachim.  

Daí a razão pela qual, ainda que não necessariamente haja mais celebridades adotando valores tradicionais – em certa medida, afinal, elas sempre estiveram por aí –, quaisquer movimentos nessa direção ganhem mais destaque, tornando a gama de casos tão vasta quanto variada. Pode-se falar, por exemplo, do ator David Henrie, famoso entre millennials mais jovens por sua atuação na série do Disney Channel “Os Feiticeiros de Waverly Place”. Qual Stefani, Henrie, casado e pai de três filhos, sempre foi católico, mas sua fé só atraiu holofotes recentemente, com o lançamento da cinebiografia “Reagan” (2023), na qual dá vida ao ex-presidente americano, e ao se tornar embaixador da ONG católica Cross Catholic Outreach. Em uma outra face do fenômeno, ganham destaque declarações recentes da cantora Rihanna, mãe de dois filhos, que disse sentir vergonha dos looks indecorosos do passado, e recentemente afirmou estar satisfeitíssima com a vida de mãe e dona de casa.  

“Eu enxergo o aparecimento de celebridades ‘trads’ (ou com comportamentos vistos assim) como apenas um elemento mais evidente da contratendência conservadora. Há anos noto que certas ‘contratendências’ são  totalmente ignoradas – para não dizer abafadas – pelas empresas de pesquisa de tendências. Mas, ao que parece, o movimento está crescendo e tomando mais espaço, a ponto de não ser mais possível escondê-lo. Não é que a tendência ‘trad’ não existisse antes, mas o fato de surgirem pessoas famosas se convertendo ao cristianismo ou assumindo uma vida mais tradicional publicamente é que fez com que a mídia fosse forçada a deixar de ignorar esse movimento”, completa Bombachim, lembrando o exemplo nacional da atriz Cássia Kiss, também aplicável ao ator Juliano Cazarré

Afinal, o que há por trás das “celebridades conservadoras”? 

Um breve sobrevoo pela cobertura secular dos casos elencados bem como de quaisquer que envolvam a adesão de famosos ao cristianismos ou a valores tidos como tradicionais basta para identificar a mistura de choque com ignorância (e, não raramente, puro preconceito) com os quais se busca explicar a questão. Vide a mencionada reportagem da Vanity Fair, que logra colocar no mesmo balaio da “direita católica” elementos tão díspares quanto a conversão de LaBeouf com a emergência do suposto “integrismo católico” do vice-presidente americano J. D. Vance. 

O problema insolúvel que parece ser o denominador comum de muitas tentativas de análise é: não é fácil garantir, ou atestar por completo, a veracidade de uma ‘conversão’ ou adesão a um conjunto de valores por parte de quem quer que seja, bem como os motivos que levam uma e outra celebridade a assumi-los. O texto da Vanity Fair, por exemplo, especula se o próprio Trump, ou o bilionário Elon Musk, serão os próximos “convertidos” ao catolicismo – haja vista a súbita “conversão” dos donos de Big Techs aos valores republicanos.  

Em cenários assim, sempre se haverá que levar em conta a fragilidade dos grandes ideais que costumam acompanhar quantias vultosas de dinheiro – uma ressalva que, contudo, não pode se tornar mero cinismo contra qualquer manifestação contracultural. Dirá, afinal, o adágio cristão, que “o vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai”. 

noticia por : Gazeta do Povo

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